sábado, 27 de setembro de 2014

E da série, "Craque o Flamengo NÃO consegue mais fazer em casa"...


Com dificuldade para revelar, base do Fla sofre vexames e tenta se reerguer

Diretor da base rubro-negra reconhece recursos escassos e dificuldade nos juniores, mas fala sobre evolução na filosofia de trabalho e base de dados sobre os jogadores

Por Pedro Venancio Rio de Janeiro


Fora da final do Campeonato Carioca sub-20, eliminada das Copas São Paulo de 2012 e 2013 na primeira fase e para o Figueirense nas oitavas de final da Taça BH em 2014. Para piorar, o Rubro-Negro foi massacrado pelo Fluminense nos juniores (7 a 0) e juvenis (5 a 0) e pelo Atlético-MG (6 a 1) na Copa do Brasil Sub-17. Os resultados, que em tese não são prioridade na base, se juntam ao fato de que o último jogador que o Flamengo revelou e foi convocado para a Seleção principal foi Renato Augusto, que se firmou no time em 2006. Lá se vão oito anos, muito tempo para quem costuma se orgulhar do lema "Craque, o Flamengo faz em casa".




Vestiário ninho do urubu flamengo (Foto: Pedro Venâncio)Vestiário do Ninho do Urubu em obras: melhoras na estrutura apesar das dificuldades financeiras (Foto: Pedro Venâncio)

De lá para cá, outros três jogadores vindos da base se firmaram no time: Paulo Victor, goleiro que hoje é titular, Luiz Antonio, que joga com frequência desde 2011, e Samir, que chegou do Audax Rio no juvenil. Outros, como Nixon, Negueba e Recife, entram e saem da equipe titular. O aproveitamento da base é pequeno, se comparado ao de gerações anteriores. De acordo com diversos profissionais que passaram por lá recentemente, não há uma causa específica para essa queda, e sim um conjunto de fatores. O mais citado deles é a transição dos juniores para os profissionais.

- Acho que o jogador amadurece até os 24, 25 anos, e não nos juniores, mas a pressão no Flamengo é muito grande. Em função disso, os garotos não conseguem jogar. Creio que o processo de formação no Flamengo é muito imediatista, e os jogadores normalmente não estão prontos para isso. Alguns conseguem queimar etapas, mas é uma minoria – analisa Anthoni Santoro, que trabalhou por mais de dez anos na base rubro-negra.

A passagem dos juniores para os profissionais foi acelerada pela Lei Pelé, que permite ao jogador sair do clube no fim do contrato sem que haja compensação financeira para a instituição. Normalmente, o primeiro contrato profissional é feito aos 16 anos, e o segundo, aos 19. Sem a garantia da renovação, o clube se vê quase obrigado a promover o jogador muitas vezes com a formação técnica incompleta e vulnerável ao assédio de empresários e outros clubes mais estruturados e poderosos financeiramente.
Chamada Carrossel Jóia 2014 



 Caio Rangel (Foto: Reprodução/Site Oficial do Flamengo)Caio Rangel em ação (Foto: Reprodução/Site Oficial do Flamengo)

A outra opção é vender o jogador antes que ele saia de graça, como o próprio Flamengo fez com Caio Rangel. Jogador da Seleção sub-17 em 2013, ele foi para o Cagliari-ITA em junho deste ano sem sequer estrear pelos profissionais. A pedida salarial do meia-atacante foi superior ao que ganham alguns jogadores do time principal. Fato que ocorre com vários clubes brasileiros que cedem jogadores às seleções de base, e de acordo com diversos técnicos, direciona o foco do atleta ao dinheiro, ao invés do desenvolvimento dentro de campo.

- Eu vi uma entrevista do Muricy em que ele fala que os jogadores já se acham craques muito cedo e penso igual. Acho que a geração campeã da Copa São Paulo perdeu o foco depois daquele título. Os jogadores hoje chegam muito cedo aos profissionais. Quando estive lá, 21 atletas subiram, e não à toa quem teve uma sequência maior até agora foi o Luiz Antonio, que ficou nos juniores até os 19 anos e teve uma formação mais completa. Essa transição precisa ser feita com calma – diz Paulo Henrique, treinador campeão da Copa São Paulo de Juniores em 2011.

Vi uma entrevista do Muricy em que ele fala que os jogadores já se acham craques muito cedo e penso igual.

 Paulo Henrique, treinador campeão da Copa São Paulo de Juniores em 2011

Os profissionais que trabalharam com a base rubro-negra também se queixam da constante troca de comando entre os técnicos dos profissionais, que são efetivamente quem escolhem os jogadores que vão subir dos juniores. E como a filosofia muda a cada técnico que passa, mudam também os atletas indicados e não há continuidade no trabalho. Nos últimos três anos, o Rubro-Negro teve sete treinadores: Vanderlei Luxemburgo, Joel Santana, Dorival Junior, Jorginho, Jayme de Almeida, Mano Menezes e Ney Franco.

A troca de presidentes e consequente mudança de pessoas nos cargos da base também atrapalham projetos em longo prazo. Em 2010, Carlos Brasil comandava a base rubro-negra ao lado de Carlos Noval. Em 2013, Marcos Biasotto foi contratado, e em 2014, foi para o CIM (Centro de Inteligência e Mercado) do clube, com Noval na direção da base. Essa situação, no entanto, não é privilégio rubro-negro.

Problemas do passado que se refletem no presente

Se há problemas que são comuns a todos os clubes do Brasil, há outros que são mais peculiares ao contexto do Flamengo. As dificuldades financeiras impedem o clube de concorrer com equipes grandes de outros estados, e mesmo no Rio de Janeiro. O orçamento de R$ 6 milhões anuais é muito inferior ao de clubes como São Paulo (R$ 32 milhões), Internacional (R$ 24 milhões), Palmeiras (R$16 milhões). E junto com a questão estrutural, reduz a competitividade rubro-negra na hora de negociar a vinda de jogadores para a base.



Renato augusto frança x brasil (Foto: Mowa Press)Renato Augusto: último jogador da base do Fla a chegar à Seleção (Foto: Mowa Press)

- É claro que sabemos das dificuldades, mas não podemos usar a falta de dinheiro como desculpa. Aos poucos, estamos melhorando a situação, e acredito que os resultados vão aparecer - analisa Gabriel Skinner, gerente de futebol do clube.

Além disso, diversos empresários alegam que o Rubro-Negro oferece um percentual menor de seus jogadores a eles durante as negociações e por isso priorizam outras equipes na hora de buscar contratos para seus clientes. O passado, em que o Rubro-Negro perdeu quase de graça nomes como Djalminha, Marcelinho Carioca e Paulo Nunes, ecoou por muito tempo nos muros da Gávea e propostas por jogadores como Negueba, Adryan e Welinton foram recusadas pelo clube.

Os problemas estruturais também contribuem. Em um passado não muito distante, houve casos em que jogadores foram indicados para a base do Flamengo e não ficaram por falta de alojamento. E são obrigados a sair quando completam 18 anos, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Outros clubes enfrentam o mesmo problema, mas o driblam, como por exemplo o Fluminense, que disponibiliza um hotel para seus jogadores maiores de idade. A busca por jogadores também era problemática e se reflete no presente da equipe.

- Enquanto estive lá, entre 2005 e 2010, havia um problema sério na captação de jogadores, e eu dou um exemplo: o César, goleiro, eu indiquei para o clube e quase foi para o Botafogo. Só foi para o Flamengo porque bateu o pé. O Flamengo, até pela oferta de jogadores, corria pouco atrás, se acomodou um pouco. Era modelo de formação na década de 80, quando eu joguei, mas as coisas mudaram – diz Rogério Lourenço, outro ex-técnico dos juniores do clube, e que passou também pela Seleção sub-20.

Otimismo e perspectivas futuras

As mudanças na base rubro-negra começaram em 2010, com as chegadas de Carlos Noval e Carlos Brasil no clube. Desde então, há consenso dentro do Rubro-Negro que houve uma melhora nas condições estruturais do Ninho do Urubu, mas que dificuldades financeiras do orçamento apertado faz com que as mudanças não ocorram na velocidade desejada.

- A evolução foi muito grande. Às vezes a gente acha pouca coisa, mas em 2010, o Flamengo não tinha sequer um ônibus próprio. Não tinha van para levar os garotos para a escola. Não tínhamos também alojamentos, hoje eles existem. Houve essa melhora estrutural – afirma Noval.

O Flamengo, até pela oferta de jogadores, corria pouco atrás, se acomodou um pouco. Era modelo de formação na década de 80, quando eu joguei, mas as coisas mudaram
Rogério Lourenço, ex-técnico

Os alojamentos estão em obras para que possam receber 64 garotos, e há também a construção de um vestiário e uma cozinha, para que o clube cumpra as exigências necessárias para obter o Certificado de Clube Formador, documento que permite firmar contratos de formação com jogadores a partir dos 14 anos e se precaver contra investidas de rivais aos principais talentos da base.

Em 2013, Marcos Biasotto assumiu a coordenação da base rubro-negra e enxergou a situação de maneira parecida. Contratou dois profissionais para observar jogadores: Sérgio Guerreiro, ex-São Paulo, e Rodrigo Lameira, no Rio Grande do Sul. O clube, que não tinha sequer um banco de dados para monitorar os próprios jogadores e garotos de outros clubes, montou esse arquivo e já houve mudanças.

Nos últimos 18 meses, diversos jogadores de outros estados foram contratados, o que dificilmente acontecia. A grande maioria está no último ano de juvenil, como o lateral-direito Rocha, ex-Red Bull-SP e o meia Matheus Sávio, ex-Desportivo Brasil-SP, ou no primeiro ano de juniores, como os meio-campistas Daniel e Ronaldo, que vieram do Paulista-SP. Há 40 dias, houve uma reformulação geral do departamento de base, com a demissão de 17 funcionários e a dispensa de garotos nas categorias menores para que possa haver uma maior qualificação dos elencos nas categorias.



Carlos Noval, diretor executivo das categorias de base, com o time de juniores do Flamengo (Foto: Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)Carlos Noval com juniores (Janir Junior / GLOBOESPORTE.COM)

Além de observadores, o Flamengo hoje possui um Centro de Inteligência e Mercado comandado por Rafael Vieira, ex-analista de desempenho do Grêmio e da seleção brasileira, integrando os departamentos da base e do profissional. A estimativa é de que atualmente sejam observados cerca de 230 jogadores de outros clubes por semana. Há também o monitoramento dos atletas do próprio Flamengo, a partir do sub-15 até o time principal.

Dentro de campo, o resultado ainda não se traduziu em revelações de jogadores para os profissionais. O clube, no entanto, se estruturou para montar uma metodologia única de trabalho, linear,

A diretoria reconhece a dificuldade com os juniores em 2014, tanto em resultados quanto na promoção de jogadores para o time principal. Mas confia no trabalho em longo prazo.

- Nosso trabalho, em 2010, começou de fato com jogadores nascidos em 1998, e temos ótimas gerações mais novas, no infantil e no mirim. Isso não quer dizer que não haja atletas bons mais velhos, mas a perspectivas é que os resultados apareçam com mais frequência em três ou quatro anos – finaliza Carlos Noval.

A busca por talentos ganhou reforços, mas as dificuldades financeiras seguem sendo um entrave. E podem fazer com que o time perca alguns desses jogadores antes mesmo deles estrearem nos profissionais, impedindo que esse ciclo planejado seja completado da maneira idealizada no início.


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