Concordo com a crença e, principalmente, com o plural. Porque dentre os vários deuses, há um que embora abstrato como os companheiros do Olimpo, não é tão insondável na sua influência, nas suas preferências e nas conseqüências do seu poderio.
Tenho assistido pela TV, à exaustão, a todas as explicações dos mais renomados e especializados comentaristas sobre os porquês da eliminação da seleção brasileira da Copa do Mundo de 2006.
Há muitas coincidências de opiniões, algumas unanimidades até, mas não vi nem ouvi nenhum deles abordar o fato do ponto de vista dos deuses, em particular do deus mercado.
Pasmem! O deus mercado foi, na minha opinião, o maior culpado pelo fracasso da seleção brasileira. Não foi um Parreira mumificado, ou um Ronaldo gordão, ou um Cafu e um Roberto Carlos já meio sucatas, ou um Ronaldinho Gaúcho tímido como nunca se vira antes.
Desculpem, mas o buraco é mais em cima. Subindo um degrau no mirante, dá para vislumbrar um panorama onde os comportamentos individuais são apenas um detalhe do show e até oferecer um voto de caridoso perdão às pessoas envolvidas, enquanto pes-so-as, não como atletas profissionais.
O mercado é quem dirige o espetáculo do futebol, assim como dirige tantos outros espetáculos do mundo capitalista como a mídia, por exemplo.
Minhas observações remontam à Copa de 1998, na França. Jamais aceitarei a escalação do Ronaldo Fenômeno na partida final depois das convulsões que sofreu horas antes, a não ser pela força oculta do deus mercado. Não estou com isto afirmando que com o Edmundo teríamos ganhado a Copa. Mas já a seleção sofrera durante aquela partida, do mesmo tipo de letargia que mostrou na partida deste ano, por coincidência diante do mesmo adversário mas, certamente, por motivos diferentes.
Não podemos nos esquecer de que quem suporta alguns dos custos de convocação, preparação, traslado, hospedagem, na sua maior parte se não todos, direta ou indiretamente, são os patrocinadores. E aqui começa o primeiro ato do espetáculo mercadológico: técnico e jogadores posando de garotos-propaganda de refrigerante, banco, material esportivo ou telefonia celular. Está armada a arapuca do estrelismo e quem de nós pode jurar que nunca teve uma pitada de vontade de ser famoso?
Mas o show deve continuar. É grandilo quente. Alcança nada menos que o mundo inteiro e aí se monta a segunda armadilha: o favoritismo. Nesta, a seleção brasileira caiu feito patinho. O encarregado de administrar psicologicamente seus comandados falhou redondamente, acreditando numa solução de palavras vazias em vez de adotar e impor atitudes. Tanto falhou que ele próprio declarou, após o insucesso, que nunca tinha cogitado da possibilidade de perder a Copa. Em outras palavras: confessou, de público, sua culpa ao acreditar piamente e ficar irremediavelmente convencido do favoritismo da seleção que dirigia. Aqui esteve de novo o deus mercado acima das pessoas. À mídia, grande instrumento de que o deus mercado se utiliza, interessava cobrir a equipe composta pelo maior número de celebridades - Kaká, Ronaldo, Ronaldinho, Robinho (porque já está no Real Madrid), Roberto Carlos, Cafu, o imperador Adriano e outros que me perdoem a omissão de seus nomes. E nada melhor para temperar (justificar) o direcionamento do foco da mídia do que a cobertura da seleção favorita.
No mundo globalizado de hoje, em que também o deus mercado é um dos comandantes supremos, a idéia de pátria ficou restrita à conotação de país enquanto espaço geográfico. Resta apenas uma pátria física, digamos. A pátria metafísica, aquela que excita e desenvolve os valores sentimentais do amor, da defesa incondicional, da lealdade, do orgulho da cidadania, essa está moribunda, dentro e fora do Brasil.
Como despertar num indivíduo que mora no exterior, que ganha milhões de dólares por ano, que está na mídia quase diariamente como celebridade, que não convive com problemas de violência urbana, que desfruta de conforto e segurança pessoais, como despertar, repito, nesse indivíduo, o sentimento de patriotismo?
Sofremos de uma falta de raça atávica. Já se vem consolidando há praticamente quinhentos anos. O que esperar de um povo, em termos de raça, que descende de degredados portugueses, miscigenados com escravos negros e com índios? E mais os imigrantes de variada origem? Naturalmente um produto cheio de qualidades humanas, do ponto de vista cultural, artístico, convivendo razoavelmente com pouca discriminação - pode melhorar. Mas, e na hora de suar a camisa? ... É diferente quando se tem só arianos, só árabes, só asiáticos amarelos, só negros, não sei o porquê.
Encontrar a motivação para conseguir o máximo de desempenho do time é um dos grandes desafios da equipe que irá comandar a seleção para a próxima Copa. O que não significa excluir todos os "estrangeiros" até porque o deus mercado não permitiria. O que não significa desvalorizar as glórias alcançadas pelos eventuais dispensáveis porque estas são indeléveis.
São de variada espécie e complexidade os problemas a superar para se ter de volta a esperança do hexa-campeonato. Contudo haveremos de ter gente capacitada para isso.
O que se não pode é servir a dois senhores; o Brasil é o nosso senhor, o mercado é uma mitologia.
Nestor Volpini 23/julho/2006
Nenhum comentário:
Postar um comentário