Comissão no Flamengo cita notas forjadas e R$ 1,6 milhão sem provas
Relatório aponta nota fiscal datada de 94 para justificar gastos de 2010 e 2011. Documento acusa Patricia Amorim e mais três de irregularidades
Patrícia Amorim foi acusada com outros três
ex-dirigentes (Foto: Alexandre Vidal / Fla Imagem)
ex-dirigentes (Foto: Alexandre Vidal / Fla Imagem)
A comissão de inquérito criada pelo Conselho Deliberativo do Flamengo
para acompanhar a auditoria do adiantamento de R$ 7,3 milhões realizado
na gestão de Patrícia Amorim já chegou a um parecer sobre o caso.
Segundo o documento, R$ 1,6 milhão do valor total adiantado não foi
devidamente esclarecido. Além disso, a comissão aponta tentativa de
comprovar tal gasto com notas forjadas, datadas de 1994, para prestar
contas do exercício de 2010 e 2011.
O relatório acusa quatro ex-dirigentes por infrações ao estatuto: a
ex-presidente Patrícia Amorim, o seu vice-presidente de finanças, Michel
Levy, o ex-presidente do Conselho Fiscal, Leonardo Ribeiro, e o
ex-controller do clube e sócio emérito, William Pereira dos Santos.
Patrícia, Levy e William são acusados de infração ao artigo 37 do
estatuto (veja os artigos no infográfico ao fim do texto). Ribeiro, por
sua vez, é citado por infringir o artigo 120, com possibilidade de ser
combinado ao artigo 51. Há também menção a depoimentos de funcionários
declarando desconhecer o uso de seus nomes para liberação dessas verbas.
Leonardo Ribeiro e William Pereira se defenderam e negaram as acusações - clique aqui e entenda.Patricia Amorim e Michel Levy não foram encontrados para falar sobre o assunto.
O parecer ficou pronto na última segunda-feira e já está à disposição
dos conselheiros no clube, mas a diretoria não permite cópias ou
fotografias das páginas. O GLOBOESPORTE.COM obteve transcrições do
documento, que faz acusações a alguns dos principais nomes da antiga
gestão. O documento será votado na próxima terça-feira e, se aprovado,
será encaminhado para que uma comissão do Deliberativo determine as
penalidades, tomando novos depoimentos dos envolvidos, trabalho que deve
ter prazo estipulado em 60 dias. Entre as punições (citadas no artigo
28 do estatuto), estão a obrigação de indenizar o clube e a eliminação
do quadro social.
Por serem eméritos e beneméritos, Leonardo Ribeiro, William Pereira e
Patrícia Amorim, se o relatório for aprovado na terça-feira, teriam
penalidades determinadas por comissão do Deliberativo, mas seriam
julgados no Conselho de Administração, foro teoricamente mais brando
para eles. O atual presidente do Conselho de Administração, Maurício
Gomes de Mattos, foi um dos poucos remanescentes da gestão anterior,
permanecendo no cargo. Ele tem bom trânsito em ambas as correntes, mas
causou desconforto ao retirar da pauta a apreciação do parecer da
comissão fiscal no Conselho de Administração, em agosto deste ano.
O presidente da comissão que produziu o parecer, Moysés Akerman,
explicou que recomendou que os envolvidos sejam ouvidos para o mais
amplo direito de defesa.
- Pode chegar lá o controller, o vice de finanças, até a ex-presidente e
dizer: "Olha, os documentos estão todos aqui". Com certeza vão tomar
novos depoimentos. Se o parecer que diz que ocorreram infringências ao
estatuto for acolhido, no mesmo dia é nomeada a comissão disciplinar. Aí
vai se dar o mais amplo direito de defesa. O que queremos é: se o
dinheiro saiu do caixa, tem de ter um documento. Só isso. Não é querer
crucificar, queremos que o Flamengo seja exemplo e modelo, não pode
repetir essas coisas. Estamos vivendo a época da transparência. Queremos
é punir o exemplo. A luta não é contra a Patrícia, é contra esse tipo
de coisa que se banalizou. Criaram um slogan no Flamengo que no clube
pode tudo, só não pode perder no futebol. Aí vira piada do Vampeta -
afirmou Akerman.
Os outros integrantes da comissão foram Luiz Felipe Fonseca Drummond
(advogado), Ricardo Lomba Vilela Bastos (auditor fiscal), Hamílton de
Oliveira Rimes e Túlio Cristiano Rodrigues (empresários).
Para a infração de Patrícia Amorim, os argumentos no parecer são de que
ela “afirmou expressamente em seu depoimento desconhecer este tipo de
procedimento financeiro do clube, e teria, segundo depoimento de seu
próprio VP financeiro, contribuído para o agravamento da situação ao
determinar por diversas ocasiões a realização de pagamentos sem a devida
comprovação documental”. Sobre Michel Levy, o parecer afirma que
“demonstrou total desapego à probidade administrativa” e “seguiu
liberando verbas pelo procedimento adotado, ainda que as necessárias
comprovações dos adiantamentos anteriormente realizados não tivessem
ocorrido”.
Sobre William Pereira dos Santos, o parecer diz que a acusação se dá
“por ter determinado as baixas contábeis em pleno desacordo com as
normas padrões do Conselho Regional de Contabilidade”. No caso de
Leonardo Ribeiro, a acusação se dá “por não ter o mesmo cumprido com sua
prerrogativa estatutária, quando deveria ter representado ao poder
competente ao constatar irregularidades em documentos contábeis ou falta
destes, ou de outra natureza, como se faz evidente pelas juntadas,
oitiva, laudos fortíssimos e até mesmo pelo depoimento pessoal por este
assinado”.
Notas supostamente forjadas
O ex-vice de finanças Michel Levy é acusado de
improbidade administrativa (Foto: Janir Júnior)
improbidade administrativa (Foto: Janir Júnior)
Ainda restam mais acusações. São descritas a possibilidade do uso notas
fiscais forjadas e o possível uso de nomes de funcionários do clube
para liberação de adiantamentos sem o conhecimento dos mesmos. Diz o
parecer:
“7.1.5- Chamou atenção desta comissão o fato, reiteradamente
reproduzido pelos funcionários do clube que depuseram a esta comissão,
de que os mesmos desconhecem o montante aberto em seus nomes pendentes
da devida prestação de contas, tendo gerado, inclusive, perplexidade a
afirmação de alguns de que seus nomes teriam sido indevidamente
utilizados para a liberação de verbas a fim de fazer frente aos
pagamentos do clube.
7.1.6 - Emblemático deste caos administrativo-contábil-financeiro,
destaca-se por oportuno as notas fiscais 1361, 1362, 1370 e 1371, que
foram emitidas a posteriori do evento realizado nas dependências do
Flamengo para promover a confraternização do final de ano dos
funcionários de 2010 e 2011, ambos realizados pelo mesmo fornecedor no
valor atual de R$ 44.300,00, cujas AIDF (Autorização para impressão de
Documentos Fiscais) são datadas de 29 de Marco de 1994, vencidas
portanto muitos anos antes da emissão das notas fiscais,
caracterizando-se tratar de documento irregular, e porque não dizer
‘frio’, emitido tão somente para fazer constar da contabilidade”.
- Isso existe, está lá, é grave, foi reprovado. Como exemplo, você vai
agora para Manaus e volta com uma nota de 1994. Não quero acreditar que
sejam pessoas que estiveram no Flamengo com má intenção, mas aconteceu,
não podemos deixar passar. No momento em que me chamaram para fazer
parte da comissão, não é para brincar. Agora, o plenário é soberano –
afirmou Akerman.
Nos itens seguintes, o parecer discorre sobre outras irregularidades
encontradas pela comissão de inquérito. Aponta inconsistências na
documentação apresentada pelo controller do clube, William Pereira dos
Santos: “a administração anterior do clube, que ao tomar ciência das
inconsistências constatadas, na pessoa de seu controller, em junho de
2012, efetivou diversos lançamentos de baixa contabilidade sem a devida
prestação de contas, sendo certo que estas baixas totalizavam a
importância de R$ 599.808,32”.
‘Tentativa de encobrir vestígios’
Em seguida, outro tópico do parecer vai além: “Observou-se ainda a tentativa, por parte do mesmo controller, em retificar o balanço patrimonial de 2011 a ser assinado pelo contador do clube, que se recusou a fazê-lo em face da inexistência da documentação comprobatória, o que evidencia tentativa de encobrir os vestígios das irregularidades apontadas”.
Em seguida, outro tópico do parecer vai além: “Observou-se ainda a tentativa, por parte do mesmo controller, em retificar o balanço patrimonial de 2011 a ser assinado pelo contador do clube, que se recusou a fazê-lo em face da inexistência da documentação comprobatória, o que evidencia tentativa de encobrir os vestígios das irregularidades apontadas”.
O trecho seguinte dá os valores exatos que permanecem sem a devida
comprovação: “Finalmente, e não menos importante, o trabalho de
auditoria constatou ainda a importância de R$ 1.590.431,62, na mesma
conta de adiantamentos, que foram disponibilizados, sem a devida
comprovação de origem. Restou igualmente demonstrado que o valor de R$
1.636.704,44, foi baixado na contabilidade sem as devidas comprovações.
Tais constatações demonstram de forma inequívoca a existência de
irresponsabilidade contábil/financeira, perpetrada no exercício de
2011”.
- Exatamente, foi constatado. Tiveram um comportamento altamente
funcional, correto e cumpriam ordens. Esses depoimentos foram na fase de
instrução, como em um inquérito policial. O importante é saber quem
autorizou a fazer, não quem fez. Porque a pessoa cumpre ordens ali. Era
colocado o nome do funcionário para arrecadar um valor e servia para uma
série de outras atividades. Que eram comuns, necessárias, não digo que
não. Mas de uma maneira muito boa eles se documentaram e vieram
documentados, aí foi baixando esse valor de R$ 7 milhões para R$ 1,6
milhão, que não tinha documento nenhum – disse Akerman.
Depoimentos e recomendações
A comissão de inquérito relata ter tomado os seguintes depoimentos para
chegar a essas conclusões: os funcionários Tânia Luiza Nogueira da
Silva Rodirgues, Glória Teixeira Mota Pereira, José Carlos Barbosa, Elza
Maria dos Santos, Vitorino Correa da Silva Filho e o ex-funcionário
Fransico Daniel Souza Paiva. Também foram ouvidos o contador da antiga
gestão, Rogério Tosca da Encarnação, e o ex-controller William Pereira
dos Santos, sócio emérito do clube. Entre os dirigentes, o parecer diz
que foram ouvidos Luiz Cláudio (Cacau) Cotta, ex-vice-presidente do
Fla-Gávea; Michel Levy Neto, ex-vice-presidente de finanças; Leonardo
Ribeiro, ex-presidente do Conselho Fiscal; e a ex-presidente Patrícia
Amorim.
No fim do parecer, há recomendações para procedimentos a serem adotados
pela diretoria, entre elas “limitar a alçada dos adiantamentos de
despesas a ocorrer valor ínfimo quando o empenho for de pequeno porte, e
para alçadas de valores de maiores portes serem previamente autorizados
pelo CODE e COFI”, além de “impossibilitar qualquer pagamento sem
procedência evidenciada e transparente”.
Presidente do Deliberativo explica procedimentos
O presidente do Deliberativo, Delair Dumbrosck,
promete direito de defesa (Foto: Globoesporte.com)
promete direito de defesa (Foto: Globoesporte.com)
O presidente do Conselho Deliberativo do Flamengo, Delair Dumbrosck,
garantiu não haver qualquer perseguição à antiga diretoria, mas destacou
que é preciso explicar o valor de R$ 1,6 milhão. Assegurou que dará
amplo direito de defesa aos acusados e que torce para que a documentação
apareça.
- Ninguém está penalizando ninguém ainda. Estou tendo o cuidado de dar o amplo direito de defesa. O relatório vai ser apresentado e lido na terça-feira e vai definir se prossegue com o relatório ou se tudo não passou de um erro e está muito bem esclarecido, e não precisa penalizar ninguém. O plenário é soberano. Se continuar o processo, vou nomear uma outra comissão disciplinar, que vai analisar o relatório, pegar o estatuto e imputar responsabilidade a cada um. Essa comissão certamente dará o amplo direito de defesa, as pessoas vão tomar conhecimento do relatório. Pode ter até mais acusados depois.
- Ninguém está penalizando ninguém ainda. Estou tendo o cuidado de dar o amplo direito de defesa. O relatório vai ser apresentado e lido na terça-feira e vai definir se prossegue com o relatório ou se tudo não passou de um erro e está muito bem esclarecido, e não precisa penalizar ninguém. O plenário é soberano. Se continuar o processo, vou nomear uma outra comissão disciplinar, que vai analisar o relatório, pegar o estatuto e imputar responsabilidade a cada um. Essa comissão certamente dará o amplo direito de defesa, as pessoas vão tomar conhecimento do relatório. Pode ter até mais acusados depois.
O dirigente confirmou que já busca nomes para formar a comissão
disciplinar que analisará as possíveis punições administrativas aos
acusados. Segundo Delair, por conta da natureza dessa comissão, a
intenção é privilegiar nomes ligados ao Direito. Ao comentar sobre as
notas frias, Delair afirmou:
- Isso aí são coisas que você pode pegar e dizer que pagou. Alguém
recebeu. Mas a nota, não tiveram o cuidado de verificar se era válida ou
não. Por exemplo, se o Flamengo tiver uma fiscalização amanhã, poderia
chegar a Receita e pegar essa nota porque ela não é legal. Não quer
dizer que alguém colocou dinheiro no bolso, pode até ter colocado, mas
tem de explicar. Se você tem as notas, os documentos, já foram chamados
todos para explicar... Alguém tem uma responsabilidade. Então a comissão
certamente chamará as pessoas ou os responsáveis e perguntar: “E aí?”.
Ele esclareceu que o relatório disciplinar será feito pela comissão a
ser indicada pelo Deliberativo, caso o relatório seja aprovado na
próxima terça-feira. Como Leonardo Ribeiro, William Pereira e Patrícia
Amorim são sócios eméritos e beneméritos, as penalidades apontadas pela
comissão do Deliberativo podem ser julgadas no Conselho de
Administração.
- A comissão disciplinar fará o parecer e minha comissão jurídica vai
dizer onde ele tem de ser apreciado. O parecer é do Deliberativo. Onde
vai ser analisado, onde será julgada a penalidade, é outra questão. Por
exemplo, vai para o Conselho de Administração. Analisam e, se não
concordarem, fazem um recurso ao Deliberativo.
A reportagem do GLOBOESPORTE.COM tentou contato com os telefones
celulares de Patrícia Amorim, que não atendeu e não dispunha de
secretária eletrônica, e Michel Levy, que estava fora de área - foi
deixado recado para o ex-vice de finanças.
Entenda o caso
No dia 4 de agosto de 2012, o GLOBOESPORTE.COM revelou um depoimento do
então contador do Flamengo, Rogério Tosca da Encarnação, que foi ao
Conselho Fiscal do clube tentar explicar um buraco de R$ 7 milhões em
adiantamentos sem prestação de contas nos registros do exercício
anterior. A reunião foi gravada em vídeo. Na ocasião, o contador
descreveu o problema dessa forma:
- Eu sou colocado de costas e tenho de pedir desculpas a alguém que
passa a mão na minha bunda, pedir desculpas por estar de costas. (...)
Quero exercer a minha função e não posso fazê-lo. Presto contas de 114
empresas. Aqui só tem um problema: muito cacique e pouco índio. É o que
está aqui – disse Rogério Tosca da Encarnação em explanação no Conselho
Fiscal em 2012.
O tempo passou, a gestão mudou e, no início deste ano, a nova diretoria
encomendou uma auditoria independente. Chegou a ser feita uma nova
versão do balanço de 2011, com ajustes do Conselho Fiscal, mas o ex-vice
de finanças Michel Levy e o então contador Rogério Tosca da Encarnação
não assinaram o documento. Dessa forma, foi analisada pelo Deliberativo,
que apontou pendências, a versão sem os ajustes. A comissão de
inquérito que apresentou parecer na última segunda-feira foi criada
justamente para acompanhar o trabalho da auditoria na questão dos
adiantamentos não comprovados.
Em 20 de agosto de 2013, seria votado outro parecer sobre o mesmo tema,
da comissão fiscal do Conselho de Administração, mas o presidente do
órgão, Maurício Gomes de Mattos, retirou de pauta a apreciação do
documento, exigindo a presença de todos os poderes do clube para levar o
assunto adiante. A decisão não agradou à cúpula da atual diretoria, que
não se opôs à sua reeleição no conselho mesmo tendo exercido esse cargo
na gestão anterior.
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