Em duelo dos sonhos, Fla campeão mundial em 1981 diz que bateria Barça
Zico imagina placar de 4 a 2, com um gol de falta. Junior fala em grande espetáculo com vitória rubro-negra, bem como Raul, Adílio, Andrade, Nunes...
Por Márcio Mará
Rio de Janeiro
Sem nomes compostos nem sobrenomes. Escalação fácil de decorar. Virou
espécie de mantra nos momentos difíceis e teste para avaliar se o
torcedor rubro-negro é ou não autêntico, independentemente da época em
que tenha nascido. Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Junior; Andrade,
Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico. Esses são os super-heróis que
formaram o time dos sonhos do Flamengo. Há exatos 30 anos, no dia 13 de
dezembro de 1981, vestiram a "armadura" branca de "alma" vermelha e
preta - o time usou a camisa reserva - e fizeram história ao baterem o
Liverpool por 3 a 0 num show de bola de encantar o planeta. Com os dois
gols de Nunes e o outro de Adílio nos primeiros 41 minutos de jogo,
conquistaram o Mundial Interclubes, em Tóquio, e a admiração geral.
O Mundial foi o ponto alto de uma Tríplice Coroa que incluiu a
Libertadores e o Carioca num período curto. Se for contado a partir da
goleada de 6 a 0 sobre o Botafogo, que para os rubro-negros valeu também
como título - o clube fora goleado em 1972 pelo mesmo placar sem jamais
conseguir dar o troco no rival -, foram 35 dias. Por tudo isso, aquela
madrugada de sábado para domingo foi de intenso carnaval no Japão e no
Brasil. Zico, Junior & Cia. deixaram o Estádio Nacional de Tóquio
tocando o samba da Portela "Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de
uma noite", de David Corrêa e Jorge Macedo. Nesta terça-feira, é no
ritmo da bateria Surdo Um, na Mangueira, que alguns dos eternos craques
daquele time encantador vão reviver a noite de esplendor 30 anos depois.
Justamente em tempos de outro time da moda.
Agora, o Barcelona representa o futebol arte que todo torcedor quer
ver. Luta pelo bi mundial (o primeiro foi em 2009) com uma equipe
ofensiva, de toque de bola envolvente e um camisa 10 cerebral. Virtudes
bem parecidas com as de um certo esquadrão... E quem viu as duas equipes
imagina num campo dos sonhos um duelo inesquecível de gerações. Mas
quem seria o vencedor? Com a palavra, o astro campeão de 1981.
- Acho que seria uns 4 a 2 para a gente. Eu ia fazer um gol de falta,
claro. Ia caprichar. Com aquele goleiro tampinha lá do Barcelona?
(risos)... Mas não dá para fazer qualquer tipo de comparação 30 anos
depois. Só digo uma coisa: tudo que o Barcelona faz hoje nós fazíamos já
naquela época, e no campo do Americano, Volta Redonda, Defensores del
Chaco, Morumbi, na época campos muito ruins..Até mesmo o Maracanã não
era nenhum Camp Nou - afirmou Zico.
Para
o blogueiro André Rocha, do GLOBOESPORTE.COM, que analisou a disposição
tática das equipes: "Duelo dos sonhos: o 4-2-3-1 rubro-negro contra o
4-3-3 catalão. Andrade cuidaria de Messi, Lico voltaria com Daniel Alves
e Zico duelaria com Busquets para não isolar Nunes. Seria um jogaço!"
(Foto: Arte esporte)
Foram dos pés do Galinho que saíram as jogadas dos três gols da
partida. Primeiro, serviu Nunes com um lançamento aos 13 minutos do
primeiro tempo. O Artilheiro das Grandes Decisões avançou e tocou na
saída de Grobbelaar. Depois, aos 34, o camisa 10 cobrou a falta que fez o
goleiro dar rebote para Lico e, depois, a Adílio. O número 8 tocou para
as redes e correu mandando beijos para a mulher, presente no estádio. E
aos 41 minutos, Zico novamente deu lançamento açucarado que o João
Danado não perdoou.
- Os gols foram os mais importantes da minha carreira, além dos do
Brasileiro. Deus me deu força para estar presente nos momentos certos e
definir a jogada. Às vezes observo no lance: quando o Zico lançou eu
estava perto dele. Ele tinha confiança em mim, sabia que eu tinha
arrancada boa, ganhei dos dois na corrida, percebi a saída do goleiro,
tirei o goleiro do lance. Foi um momento importante para mim e para todo
o grupo. Quanto a um duelo com o Barcelona, acho que venceríamos por 3 a
0 - afirmou o sempre otimista Nunes, apostando que deixaria sua marca
pelo menos uma vez na partida.
Jogador que mais vestiu a camisa rubro-negra, Junior, hoje comentarista
da TV Globo, era das principais armas ofensivas pelo lado esquerdo.
Quando se juntava com Adílio, fazia jogadas como a da decisão contra o
Cobreloa, em Montevidéu (assista ao vídeo ao lado). O maior lateral-esquerdo da história rubro-negra considera que o jogo seria um verdadeiro espetáculo.
- Acho que primeiro seria um privilégio para as duas equipes e
sobretudo para o torcedor pela possibilidade de ver a essência de duas
equipes do futebol ofensivo, cada uma em sua época. Tanto no Flamengo
como no Barcelona a preocupação defensiva não era uma obsessão. Seria um
jogaço, de igual para igual. Se eles têm o Messi, nós tínhamos o Zico.
Mas acho que ganharíamos por 1 a 0, gol do Galo, de falta - disse o
Capacete, que foi o âncora do programa da TV Globo que reuniu boa parte
do time titular campeão em 1981.
Maior lateral-direito da história rubro-negra, Leandro é outro digno
representante do futebol arte. Apesar das pernas arqueadas, tinha uma
habilidade impressionante e era ambidestro. Além disso, fazia como
ninguém com Tita o overlaping, a jogada de ultrapassagem mais ensaiada
pelo falecido técnico Cláudio Coutinho, grande responsável pela montagem
do time rubro-negro - ele deixou o clube no início daquele ano e acabou
morrendo antes da decisão ao praticar pesca submarina na Ilhas
Cagarras.
Leandro,
Junior, Zico, Adílio, Nunes, Raul e Andrade: Fla campeão em 1981 marcou
época pelo futebol arte (Foto: Wagner Meier/Globoesporte.com)
- Não esqueço quando ele nos encontrou no aeroporto na festa da
Libertadores e disse que seríamos campeões. Aquele time, que ganhou
quase tudo de 1978 a 1983, se jogasse na Europa, poderia ter ganhado
três, quatro Champions League. E nós jogávamos aqui num gramado... Lá o
Barcelona joga em tapetes. Acho que ia ser uns 3 a 0 para a gente. Podia
até de repente sair um gol do nosso lado também. Aquela bola
indefensável, que o Raul não ia pegar (risos).
O goleiro Raul brinca que só levaria gol no duelo com o Barça no último
minuto. Veterano da equipe na conquista do Mundial, ele tinha 37 anos e
já havia experimentado uma final de Mundial Interclubes. Derrotado pelo
Bayern de Munique nos tempos do também brilhante Cruzeiro em 1976,
sentiu que seria a última grande oportunidade de conseguir o título.
- Costumo dizer que o Leandro e o Junior eu só via de binóculo. Um dia
falei: "Junior, quando o Leandro for, você fica um pouquinho, vão se
revezando. Quando fui falar com o Leandro, já era... Ele já estava lá.
Voltei para falar com o Junior, também já tinha ido. Então, a diferença
desse Barcelona aí para o nosso time são os laterais. Eles não têm os
laterais melhores do que os que nós tínhamos. O Barcelona de hoje é o
Flamengo de ontem, e não o Flamengo de ontem é o Barcelona de hoje. Sem
menosprezo algum: em dez jogos, não vou dizer que ganharíamos os dez.
Faríamos jogos equilibrados, ia depender do dia. Mas ganharíamos uns
sete...
Raul lembra que viu um Barcelona x Milan em que o time catalão teve 65%
de posse de bola. O jogo terminou 2 a 2, segundo ele, porque os
catalães retinham a bola mais no campo de defesa.
- A nossa posse de bola era dentro do campo adversário. Era um time
mais agressivo. Não ficava 30 segundos com a bola no seu campo. Fazia
rápido a transição da defesa para o ataque (assista ao vídeo ao lado que mostra um rápido ataque rubro-negro com bom toque de bola).
Grande armador da equipe, Adílio recordou os tempos de quando estava na
Cruzada São Sebastião e, do lado de Rui Rei, outro que jogou na Gáveia,
subia o muro para ver o time juvenil com Zico na escolinha dirigida por
Zé Nogueira. Na época, dizia a Rui Rei que um dia jogaria no Flamengo
com aquele "cara" que era demais.. Em pouco tempo, substituía o ídolo
Geraldo, morto aos 22 anos após choque anafilático em operação de
amígdalas, e não saiu mais do time. Jogador dos mais decisivos, o Brown,
como era conhecido no elenco por imitar os passos do cantor americano
de soul James Brown, faz coro com Raul e vê semelhanças do Flamengo com
os atuais donos da bola.
- O Zico estava dizendo que não sabe onde está o filme do jogo do
Flamengo... Acho que está lá com o Barcelona. Ficaram vendo para buscar
inspiração na gente. Seria um jogo duro. O Barcelona tinha o Messi, a
gente tinha o Zico. Dá gosto de vê-los jogar. Mas acho que dava pra
vencer.
Volante clássico, daqueles que roubavam a bola e a entregavam no pé,
Andrade, que depois como treinador reescreveu sua história no Flamengo
dando o hexa brasileiro, foi um dos que lamentaram a ausência da torcida
rubro-negra em Tóquio. Quanto ao duelo virtual com o Barcelona 2011,
foi direto.
- O que o Barcelona faz hoje nós fazíamos 30 anos atrás. Daria 2 a 0 a
gente, e teria que jogar no campo deles. Eu queria ver era eles darem
show na Rua Bariri - afirmou o ídolo rubro-negro, que começou a ganhar
vaga no time após retornar de empréstimo para o futebol venezuelano.
- O Barcelona é um time altamente competitivo – como também era o nosso
– pela compactação. Eles criam espaços e não os concedem aos
adversários. Têm um estilo um pouco diferente do nosso. Os pontas deles
vêm até o meio, compactam e saem em muita velocidade. Tita e Lico não
eram assim. O Pedro e o Villa fazem bem a diagonal. O Messi vem de trás.
O Nunes, nosso artilheiro, ficava mais enfiado. O meio-campo deles é um
tripé, com um volante e dois meias hábeis e que organizam o jogo. Eles
jogam mais no 4-3-3, ou no 4-3-1-2. Nosso time era um 4-2-3-1. Era
diferente. Honestamente, não sei quem ganharia um duelo entre as duas
equipes. Talvez o futebol fosse o grande vencedor.
Blogueiro do "Olho Tático", André Rocha acha que, no duelo virtual, a
disputa com tantos craques em campo seria pelo controle do jogo.
- Os dois times se impunham ficando com a bola e negando jogo ao
adversário. Leandro x Villa e Júnior x Pedro. Quem marca quem? Andrade
vigia Messi e ainda sai para o jogo? Busquets daria conta de Zico ou
faria o Galinho acompanhá-lo? Tita deixaria a ponta e se transformaria
em volante para seguir Iniesta ou seria um tormento para Abidal? Um
palpite? Em jogo único num campo neutro, Flamengo de 1981. Como foi no
massacre sobre o Liverpool em Tóquio há 30 anos. Em ida e volta, o
Barcelona atual parece mais forte e consistente, dentro ou fora de casa.
Duelos virtuais à parte, a conquista jamais será esquecida pelos
torcedores rubro-negros e os jogadores que fizeram parte dela. Onze
jogadores com técnica mas, acima de tudo, dignidade e paixão pela
camisa. Leandro, único do grupo que vestiu apenas a camisa rubro-negra,
lembra uma ponta de amargura naquele 13 de dezembro que poderia servir
de exemplo.
Jogadores do Flamengo com a taça do Mundial de 1981 (Foto: Agência O Globo)
- O que me marcou mais não são histórias, foi no fim do jogo. Faltando
uns cinco minutos, a gente já ciente da vitória, eu olhava para a
arquibancada e procurava o torcedor rubro-negro, de tantas glórias e
tantos títulos, que a gente está acostumado a comemorar junto com ele no
Maracanã. Ao término do jogo, procurei e pensei: "Como é que vou
comemorar?" Comecei a correr e pular para cima dos meus companheiros,
numa comemoração muito interna, muito própria. Fechei meus olhos por uns
instantes e mentalizei a torcida toda, como se estivesse no Maracanã;.
Senti muita falta disso.
Para Zico, o título foi a coroação de três gerações que se encontraram no mesmo clube.
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